terça-feira, 15 de junho de 2010

Cartas

Pra mim, período pós aniversário é um momento de catarse. Ha uma semana eu vivo isso.
Lembranças recalcadas, choro fácil, inconstância de humor, enfim... e nessas horas o melhor que tenho a fazer é ficar aqui, no meu cantinho, quieta, ouvindo música e lendo algo que acalme o coração.
Engraçado que nesses momentos de mal estar interno, eu sempre escolho as músicas mais tristes e as leituras mais melancólicas, porque acabam me fazendo bem. Deveria ser o contrário,não?! ;p
Há um tempo eu mergulho na literatura de Caio Fernando Abreu e aproveitando esse meu estado de introspecção, comecei a ler "Cartas"- uma reunião das correspondências trocadas por Caio com amigos, escritores, gente da tv, do teatro e da música. A primeira parte reune as cartas escritas nos anos 80 e 90 e a segunda parte volta no tempo, apresentando cartas adolescentes escrita para os pais.
Gente, o livro é ótimo. Tá, eu sou bem suspeita pra falar, porque eu adoooro cartas, sejam elas de amor, amizade, desculpas, tanto faz. Acho que é uma maneira simples que voçê tem de se doar em palavras e deixar registrado. Então, dá pra imaginar o quanto tenho me deliciado com essa leitura, linda e as vezes amarga, mas de uma sensibilidade que por vezes me faz chorar. (sim, dependendo do que seja, eu choro, e muito, durante as minhas leituras.) Enfim, só sei que esse livro me trouxe uma vontade de esquecer, mesmo que por pouco tempo, a existência de orkut, twitter, sms, e mail, facebook e todo esse aparato tecnológico, escolher um bom amigo e escrever uma carta, dessas em que a gente fala dos problemas, das amenidades da vida e se sente bem no final.



Querida mãe, querido pai,
Não sei mais conviver com as pessoas. Tenho medo de uma casa cheia de pais e mães e irmãos e sobrinhos e cunhados e cunhadas. Tenho vivido tão só durante tantos – quase 40 – anos.
Devo estar acostumado.

Dormir 24 horas foi a maneira mais delicada que encontrei de não perturbar o equilíbrio de vocês – que é muito delicado. E também de não perturbar o meu próprio equilíbrio – que é tão ou mais delicado.
Estou me transformando aos poucos num ser humano meio viciado em solidão. E que só sabe escrever. Não sei mais falar, abraçar, dar beijos, dizer coisas aparentemente simples como "eu gosto de você". Gosto de mim. Acho que é o destino dos escritores. E tenho pensado que, mais do que qualquer outra coisa, sou um escritor. Uma pessoa que escreve sobre a vida – como quem olha de uma janela – mas não consegue vivê-la.

Amo vocês como quem escreve para uma ficção: sem conseguir dizer nem mostrar isso. O que sobra é o áspero do gesto, a secura da palavra. Por trás disso, há muito amor. Amor louco – todas as pessoas são loucas, inclusive nós; amor encabulado – nós, da fronteira com a Argentina, somos especialmente encabulados. Mas amor de verdade. Perdoem o silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. Está ficando tarde, e eu tenho medo de ter desaprendido o jeito. É muito difícil ficar adulto.

Amo vocês, seu filho,
Caio